Propagandas dizem-nos que não podemos experimentar alegria em meio a tristezas. "Compre isto", dizem, "faça aquilo, vá lá, e terá um momento de felicidade que fará você esquecer sua tristeza." Mas será que não é possível abraçar com gratidão toda a nossa vida e não apenas as coisas agradáveis de que gostamos de relembrar?
Se o pranto e a dança fazem parte do mesmo movimento de graça, podemos ser gratos em relação a cada momento que já vivemos. Podemos encarar nossa inigualável jornada como a maneira de Deus moldar nosso coração a fim de que sejamos mais semelhantes a Cristo. A cruz, o símbolo principal de nossa fé, convida-nos a ver graça onde há dor; a ver ressurreição onde há morte. O chamado para ser grato é um chamado para confiar em que cada momento pode ser experimentado como o caminho da cruz que leva a uma nova vida. Quando Jesus falou a Seus discípulos antes de Sua morte e lhes ofereceu Seu corpo e Seu sangue como presentes de vida, também partilhou com eles tudo o que havia vivido - sua alegria quanto sua dor, seu sofrimento quanto sua glória - e os capacitou a iniciarem sua própria missão com um senso de profunda gratidão. Dia após dia, achamos novas ra¬zões para acreditar em que nada nos separará do amor de Deus em Cristo.
Claro que é mais fácil empurrar as lembranças ruins para baixo do tapete da minha consciência e só pensar nas boas coisas que me agradam. Esse parece ser o caminho da sa¬tisfação. Ao fazer assim, porém, deixo de descobrir a alegria sob o pesar, o significado de ser induzido a sair do confinamento das lembranças dolorosas. Deixo de encontrar a força que se faz visível em minha fraqueza, a graça que Deus revelou a Paulo: "A minha graça te basta, porque o meu po¬der se aperfeiçoa na fraqueza." (2Coríntios 12:9.)
A gratidão só nos ajudará nessa dança se for cultivada. Gratidão não é emoção simples ou atitude óbvia. Ser gra¬to sempre requer prática. É preciso esforço contínuo para redefinir o meu passado inteiro como a maneira concreta de Deus conduzir-me até este momento. Ao assim fazer, devo encarar não só as feridas de hoje, mas as experiências passadas de rejeição, abandono, fracasso ou medo. Quan¬do Jesus disse a Seus discípulos que estavam intimamente ligados a Ele como os ramos a uma videira, ainda teriam que ser podados para produzir mais fruto (João 15:1-5). Podar, que é o mesmo que cortar, dá nova forma, remove o que reduz a vitalidade. Quando vemos uma vinha podada, pouco acreditamos que ela possa dar frutos de novo. Mas quando vem a colheita, percebemos que a poda permitiu que os galhos concentrassem sua energia na produção de mais uvas.
Pessoas agradecidas são as que aprendem a celebrar, mesmo através de lembranças difíceis e atormentadoras, porque sabem que a poda não é mera punição, mas preparação. Quando nossa gratidão pelo passado é apenas parcial, da mesma forma nossa esperança de futuro nunca poderá ser completa. Mas submetendo-nos à poda que Deus realiza em nossa vida não ficaremos tristes, e, sim, esperançosos por aquilo que Ele irá fazer em nós e através de nós. A colheita trará suas próprias bênçãos.
Tenho aprendido, gradualmente, que o chamado à gratidão pede-nos para dizer: "Tudo é graça." Enquanto nos ressentirmos de situações que desejaríamos nunca houvesse ocorrido, ou com relacionamentos que queríamos fossem diferentes, com erros que gostaríamos de nunca haver co¬metido, então parte do nosso coração permanecerá isolada, incapaz de produzir fruto na vida nova que está à nossa frente. Desse modo, manteremos fora do alcance de Deus uma parte de nós mesmos.
Em lugar disso, podemos aprender a ver a lembrança de nossa experiência passada como oportunidade para uma conversão ativa de nosso coração. Permitimos que aquilo que recordamos nos faça também nos lembrar de quem somos, não de nós mesmos, mas de Deus. Se estivermos verdadeiramente prontos para uma nova vida a serviço de Deus, verdadeiramente plenos de alegria na perspectiva da vocação revelada por Deus para a nossa vida, verdadei¬ramente libertos para ser enviados onde Deus nos guiar, nosso passado inteiro, reunido na amplidão de um coração convertido, vai tornar-se a fonte de energia que nos moverá para frente.
Foi, então, importante que a partida de minha amiga de nossa comunidade fosse vista como um momento no qual revimos tudo o que ela havia vivido conosco e dissemos: "Graças sejam dadas a Deus!" Recordar a sua história em nosso meio como a jornada de Deus ao seu lado levou-a a firmar-se no caminho de seu novo chamado.
Quando penso na minha própria dor e na perturbação e inquietação interior que senti quando cheguei a Daybreak, percebo como Deus me trouxe bondosamente, não a um lugar protegido, isolado da dor. Ao contrário: em nenhum outro lugar posso presenciar melhor as provações do que entre pessoas incapacitadas que têm sofrido, não só a perda de sua agilidade mental e mesmo física, mas também do apoio familiar, das oportunidades de estudar e dos privilégios de casarem-se e de viverem uma vida independente. Vivo cercado de pessoas com enormes e inevitáveis necessidades. E mais: em nenhum outro lugar tenho festejado tanto e tão ricamente como entre esses homens e essas mulheres que têm lamentado tantas perdas. Quando celebramos juntos, não é pela conquista de graduações, prêmios, promoçõe ou recompensas, e, sim, porque o presente da vida evidenciou-se no meio de tantas perdas.
Adornos, cartões, emails, pequenos presentes, abraços, sorrisos e beijos são todos expressões de vida e esperança. Quando faço parte dessas comemorações, sejam elas pequenas, à mesa do jantar, ou grandes, na capela ou no salão de festas, fico maravilhado diante da dança para a qual o Espírito Santo nos chamou.
domingo, 29 de maio de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário